O discurso sobre as acções de desenvolvimento do sector agrícola, em Moçambique, tem sido uma das principais agendas dos media. Trata se de uma temática que divide a opinião pública nacional sobre o que está realmente a acontecer no sector agrário e um dos principais questionamentos prende se com os mecanismos de implementação com vista a impulsionar a agricultura no país.
O sector privado crucifica o Governo por, no seu entender, abocanhar o sector através de acções que não conseguem suprir as necessidades do camponês, praticando pequenas actividades que, de um certo modo, deviam ser tarefa das entidades privadas que actuam no mesmo campo para o fornecimento de insumos agrícolas, por exemplo.
As entidades privadas defendem a ideia de que, para além de ocupar o papel de fornecedor, o Governo devia procurar resolver os principais problemas que contribuem significativamente para a escassez de alimentos no país e ajudar o maior número possível de pequenos agricultores, incluindo as empresas de agronegócio.
O Governo, por sua vez, embora participe com pouca percentagem no fornecimento de soluções e na disponibilização de recursos/materiais para dinamizar a produtividade, advoga que “a agricultura é a base da desenvolvimento nacional”, segundo o nº 1 do Artigo 103 da Constituição da República.
Como forma de por em pratica esse pensamento, tem vindo a implementar diversos programas de produção de culturas alimentares com enfoque na facilitação dos produtores ao acesso a insumos para o aumento da produção e produtividade.
O programa SUSTENTA, por exemplo, um Projeto de Gestão Integrada de Agricultura e Recursos Naturais, cujo objectivo visa promover o desenvolvimento rural integrado de forma sustentável, com vista a melhoria das condições de vida das famílias rurais, constitui uma das ferramentas que o Governo utiliza para justificar a afirmação.
O SUSTENTA tem ajudado muitos agricultores a atingir níveis elevados de produção, mas ainda há muito por se fazer, uma vez que o número de beneficiários, num universo de 3,2 milhões de pequenos agricultores que produzem 95% da produção agrícola nacional – segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2018, nem chega a atingir um (1) por cento.
Um exemplo claro é a distribuição de kits de ajuda às vítimas de inundações causadas pelo ciclone Freddy, no distrito de Marracuene, onde foram disponibilizados 300 kits de apoio para um universo de 5 363 agricultores afectados, correspondentes a 0,16 por cento.
Embora na época passada tenha se registado no distrito um apoio em cerca de 62 toneladas em cementes de feijão Bóer aos 9 PACE´s, tratores, grades e atrelados, em igual número, sente-se que ainda pode se fazer muito mais para que a agricultura se torne realmente como a base da economia nacional.
SUSTENTA não está apenas a beneficiar os agricultores da província de Maputo, em Inhambane, por exemplo, o Governo, através do Projecto, fez entrega de equipamentos de produção e 13 mil kits de insumos aos produtores locais, o que mostra o quão é importante a sua implementação.
Não só no sul de Moçambique, onde o programa mostra seu potencial de ajuda aos camponeses, no norte do país também, os agricultores sentem os efeitos positivos do SUSTENTA.
Mas, se num distrito como o de Marracuene, onde há mais de 5 363 agricultores, fosse desenhado uma estratégia de apoio mais inclusivo, além da qual aprova apenas nove (9) PACE´s para se beneficiar do SUSTENTA, o programa seria muito mais abrangente. Pois, os restantes (não apurados) contribuíram na produção de 436 404,05 toneladas de diversas culturas na campanha agrícola passada de 2022/23.
Ainda em Marracuene, os agricultores reclamam a salubridade das águas para regadio no inverno, momento em que as chuvas são escassas. Este cenário é propiciado pela danificação das comportas que regulam as águas do rio Incomati e do oceano Índico, o que faz com que quando a maré fica alta as águas vazem para os campos de produção, prejudicando mais de 5 000 produtores que cultivam cerca de 20 600ha próximos do Rio Incomati.
No mesmo local, neste momento, os agricultores aguardam pelas águas das últimas chuvas baixarem para iniciar a produção. Os quites oferecidos, dependendo do tempo que a água levar para permitir o acesso aos campos de produção, correm o risco de se estragar.
“O desassoreamento das valas para o escoamento das águas é um dos principais desafios que Marracuene enfrenta para alavancar a produção agrícola no distrito”, disse Mbembele.
Já no posto administrativo Kamumbucana, o rio Mulauze, que ocupa uma extensão de cerca de 10km, que nasce no Bairro do Zimpeto e corre ate à portagem de Maputo/Matola. O rio, desde que beneficiou de manutenção há sensivelmente 20 anos, até aos dias actuais nunca foi feita uma limpeza profunda para permitir o acesso à água para os agricultores locais.
Naquela baixa, onde perfilam mais de 30 associações com mais de 250 membros cada, os camponeses não produzem devido ao assoreamento da vala e, durante o período chuvoso, os campos agrícolas ficam submersos. Mas, o local abastece hortícolas nos principais mercados urbanos da cidade e província de Maputo.
No posto administrativo de Kanpfumo, no Bairro de Albasine, as obras de construção do condomínio casa jovem, localizadas no bairro da Costa do Sol, não concluídas há mais de cinco (5) anos, que só serviram para bloquear os canais de escoamento das águas daquela baixa ao Oceano Índico no período chuvoso, os campos agrícolas do local também ficam alagados e os produtores pouco produzem.
Estes são alguns exemplos de depoimentos de diversos intervenientes interpelados na busca de fundamentos que explicam a escassez de alimentos no país que podemos trazer para mostrar o fraco desenvolvimento do sector agrário, que o Governo tem um papel preponderante na resolução de diversos constrangimentos que apoquentam os camponeses a nível nacional ao invés de fornecer insumos insuficientes aos agricultores.
A mecanização agrária e o melhoramento do sistema de regadio, para permitir que o camponês tenha acesso à água para irrigação, são umas das opções válidas para impulsionar a produção e produtividade agrícola.
Conforme são descritas as responsabilidades do sector público e privado na agenda de implementação do projecto SUSTENTA, o sector público deve garantir a manutenção e criação de vias de acesso para o escoamento de produtos e não só.
Para além disso, é responsabilidade do Governo a Transferências de Tecnologias, Financiamento, Mercados, Planeamento e Ordenamento Produtivo, Infra-estrutura, Salvaguardas Ambientais e Sociais e Subsídio ao Produtor.
Neste sentido, além de disponibilizar equipa de assistência ao agricultor e fornecer insumos agrícolas, assim como a introdução do método de manifestação de interesse para aderir ao projecto e beneficiar-se do financiamento, o Governo deveria, antes de mais, implementar soluções abrangentes para todo o camponês, só depois disso se poderia submeter os termos e condições para o financiamento integrado para os que reunirem requisitos para o efeito. como um projecto de assistência e limpeza das valas para permitir acesso a água para o regadio. SUSTENTA, bem aplicado, seria uma oportunidade ímpar para impulsionar a agricultura no país.
Sem esquecer que o valor aplicado não vem dos cofres do Estado, é da responsabilidade do Governo desenhar estratégias de aplicação do fundo de forma abrangente, tendo em conta os pequenos agricultores que têm a agricultura como fonte de renda para a sua sobrevivência. Pois, só assim que poderá contribuir na redução da pobreza absoluta e escassez alimentar no país.